A Igreja no Brasil I



HISTÓRICO DA IGREJA SIRIAN ORTODOXA DE ANTIOQUIA NO BRASIL

Até o ano de 1982, sob a denominação de Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia, sem nenhuma vinculação orgânica, havia, na América Latina, de modo especial, no Brasil e na Argentina, um resíduo de oito comunidades sírias ortodoxas de origem oriental. Essas Igrejas são denominadas Igrejas de colônia, pois são destinadas, preferencialmente, aos sírios ortodoxos e seus descendentes com o objetivo de preservação e conservação de suas tradições. 

Entretanto, em 1959, o Pe. Moussa Matamos Salama, inicia, no Brasil, uma missão evangelizadora aos brasileiros, abrindo as portas da Igreja Sirian Ortodoxa para todos os interessados, sem qualquer discriminação. Alguns padres que ingressaram na Igreja Sirian Ortodoxa vieram da Igreja Romana, outros vieram de comunidades evangélicas, sendo, posteriormente, ordenados pelo, então, arcebispo Dom Crisóstomos Moussa Matamos Salama. Deus abençoou esta obra missionária no Brasil, pois, em 1983, foi, oficialmente, reconhecida pelo patriarca S.S. Ignatius Zakka I, pela Bula Patriarcal 128/1983 e, consequentemente, pelas demais Bulas 245/1988 e 246/1988. Na verdade, a missão evangelizadora no Brasil teve forte influência da experiência vivida pelo padre Moussa no campo missionário da Índia, pois lá ele desenvolveu um excelente trabalho missionário. 

A retomada do espírito antioquino missionário, quase esquecido pela Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia, mas contrariada por algumas pessoas com ideais chauvinistas e pertencentes à Igreja Tradicional (isto é, de colônia), levou o Patriarca, numa decisão sinodal, a separar a arquidiocese no Brasil, em dois ramos: um tradicionalista, sob a administração direta do patriarca, e o outromissionário, sob a administração episcopal de Mar Crisóstomos Moussa Matamos Salama. Dessa forma, a Igreja Sirian Ortodoxa no Brasil, conhecida, naquele contexto, como Igreja Católica Ortodoxa do Brasil, por conta de sua índole missionária e estar aberta à evangelização de brasileiros, foi, então, intitulada pelo nome de Igreja de Missão e, consequentemente, Missionária. 

Por conta da perspectiva missionária da Sé Antioquina e pelo fato da Igreja Missionária no Brasil ter recebido alguns padres e fiéis da Igreja Romana e, principalmente, por conta da inculturação, alguns padres da Igreja (Missionária) Sirian de Antioquia acabaram (em algumas comunidades) permitindo, naquele contexto, uso de imagens de santos tridimensionais (diferente dos ícones dimensional usados tradicionalmente pelas Igrejas Ortodoxas), vestimentas (estolas) católicas romanas (por conta da não produção desses materiais no Brasil) e, em alguns casos, até o uso da hóstia para a consagração do corpo de Cristo. Essa situação desenvolveu-se, principalmente porque, após o falecimento de Dom Crisóstomo Moussa Salama, em 1996, a Igreja ficou, por muito tempo, sem nenhuma delegacia patriarcal. 

Nesse ínterim, nunca deixamos de manter contato com S. S. Ignátius Zakka I. Recebemos várias delegações com o intuito de reunir as comunidades missionárias e buscar um diálogo mais profundo, em prol da unidade. Algumas dessas delegações procederam, diretamente da Síria, outras, vieram dos Estados Unidos, mas, infelizmente nosso diálogo não se concretizavam, de fato, porque nossa Igreja Missionária no Brasil não tinha condições de manter qualquer delegado enviado por Sua Santidade, o patriarca Ignatius Zakka I, pois ela é formada de pequenas comunidades (paróquias) distribuídas em vários estados brasileiro. Afinal, a maioria dos nossos padres nem sequer pode ser mantido pelas suas comunidades. Conforme explica Dom José Faustino Filho, 

“Esta obra liderada por Mar Crisótomos é do Espírito Santo”, foi a solene declaração do Patriarca, repetida no Sínodo de 1983, em três Bulas Patriarcais. Fora de qualquer auxílio externo, sem recursos financeiros e com concorrência desigual, “a semente cresce, sem que se saiba como” (Mc. 4.27). Em 27 anos de trabalho árduo, a presença da Igreja estruturada por Mar Crisóstomos está consolidada em 16 Estados brasileiros. (FILHO, 2001). 

Depois de vários anos, após o falecimento de nosso arcebispo Mar Crisóstomo Moussa Salama, em nome de todo o clero, para, efetivamente, dizer-lhe nos mantemos, como desde o princípio, submissos à Santa Sé Apostólica Antioquina, apesar de haver algumas pendências quanto às questões de paramentos litúrgicos e da vacância de um delegado patriarcal que pudesse, à luz da nossa cultura, direcionar os nossos trabalhos. 

Nossa Igreja de evangelização no Brasil é uma Igreja periférica, presente em alguns estados brasileiros e marcada, fortemente, pela diversidade cultural brasileira. Lembramos-lhe que cada estado brasileiro corresponde em termos de proporção territorial a alguns países da Europa. Imagine, pois, a imensidão de culturas regionais marcadas também pelos mais diversos povos (portugueses, holandeses, italianos, alemães, e orientais sírio-libaneses, etc.) que aqui desembarcaram há décadas e centenas de anos, por vários contextos históricos. 

Por outro lado, percebe-se, aqui, no Brasil, que a evangelização, iniciada por Mar Crisóstomo Moussa Salama, é, conforme Bula Patriarcal 128/83, de Sua Santidade, “obra do Espírito Santo, realizando, assim, a continuidade da missão da Igreja de Antioquia e da visão antioquino-siriana, nas regiões do Brasil”. Por essa razão e, apesar das inúmeras dificuldades encontradas por nós, nesses longos anos, a exemplo das dificuldades de estabelecer uma comunicação direta com a Santa Sé Apostólica de Antioquia e a compreensão do idioma siríaco, nunca deixamos de nos auto-denominar cristãos membros da Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia e, rezarmos, em todas as nossas celebrações, de acordo com a liturgia siriana, pela Santa Igreja e seu Patriarcado. Dom José Faustino Filho, em correspondência à S. S. Ignátius Zakka I, assim se expressa:

Cremos que a Vossa decisão de conferir ao Monsenhor Antônio Nakkoud, o título de Delegado Patriarcal também para a “Igreja Missionária” no Brasil vai nos ajudar, imensamente, para estreitar, cada vez mais, nossos laços filiais com a Igreja-Mãe. Achamos, pois, que a sábia decisão de Vossa Santidade, na escolha do Monsenhor Antônio Nakkoud como Delegado Patriarcal, foi, certamente, uma abertura maior para conhecer os nossos trabalhos in loco, uma vez que, desde os anos 50, o referido Monsenhor conhece nossa língua e, principalmente, nossa cultura e costumes. Este fato, sem dúvidas, possibilitará um melhor entendimento a ambos os lados (FILHO, 2008). 

Diante das inúmeras dificuldades, sempre mantivemos nossa postura de submissão e defesa da fé ortodoxa, conforme se observa, evidentemente, em nossos estatutos. A Nossa liturgia, celebrada nas Santas Missas, é um árduo trabalho de tradução do nosso memorável Mar Crisóstomo Moussa Salama e em nada contradiz os princípios sírio-ortodoxos, nem, contudo, cria algo novo, mas busca devolver à Santa Igreja, a partir da inculturação, seus horizontes internacionais. Consciente de seu papel histórico, Mar Crisóstomos sempre lutou contra certa incompreensão de várias frentes: internas e externas. Tendo a missão de “defesa do Evangelho” e com sincera colaboração dos irmãos no Sacerdócio e no Episcopado, procurou implantá-lo, reavivá-lo e defendê-lo. 

Reiteramos que nossa Igreja no Brasil é uma Igreja simples, humilde e periférica. Contudo, Deus, para salvar o gênero humano, apoiou-se sempre em minorias fracas; outrora nos doze filhos de Jacó e mais tarde nos doze galileus. Ao invés de servir-se dos grandes impérios da Caldéia ou do Egito, buscou um pequeno povo, comprimido no meio de nações pagãs. Muitas vezes, procuramos a quantidade por causa da nossa obsessão pelo número, mas Deus olha para a qualidade. Enfim, na realização de seus maiores desígnios, Deus utiliza-se sempre de alguns instrumentos fracos. Todavia, se estes obedecem docilmente à sua vontade, com eles transformará o mundo, pois de acordo com a palavra, “chegando ali, reuniram a Igreja e relataram tudo o que Deus tinha feito por meio deles e como abrira a porta da fé aos gentios [aos brasileiros]. E ficaram muito tempo com os discípulos” (At 14, 28). 

Não podemos, pois, conceber, nos dias atuais, uma Teologia alheia às influências da modernidade ou da pós-modernidade. Nossa experiência mostra-nos que, partimos de uma Teologia Prática, a partir da periferia, cujas análises, juízos e prognósticos variam extremamente. Nossa Teologia é fatalmente humana, cultural e histórica e, sobretudo, transcendente. Nesse sentido, a tradição inaciana tem muito nos ajudado oferecendo enormes contribuições em nosso discernimento na história, na sociedade, na política e nos assuntos ecumênicos para além do nível puramente individual, discernindo na modernidade as coisas negativas que devem ser exorcizadas. É nesse contexto que procuramos nos situar diante das dificuldades financeiras e pastorais no anúncio do evangelho. O nosso patriarca, modelo de Pai e dinamismo, diplomacia e espírito ecumênico têm, em nossas lutas, tem nos ajudado a seguir os passos de nosso Senhor Jesus Cristo rumo à santidade. 

No Brasil, a Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia – Missionária do Brasil é, atualmente, membro do CONIC, fundado em Porto Alegre, no dia 18 de novembro de 1982. De acordo com sua base constitutiva, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil é definido como uma associação fraterna de Igrejas que confessam o senhorio de Cristo como Deus e Salvador e “procuram cumprir sua vocação comum para a glória de Deus Uno e Trino, Pai, Filho e Espírito Santo, em cujo nome administram o santo batismo” (DAPNE, 2000, p. 217). 

A Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia – Missionária do Brasil, denominada também, naquele contexto, por Igreja Católica Ortodoxa Siriana, aderiu ao CONIC em 1991. Na verdade, a ICOSB (Igreja Católica Ortodoxa Siriana), fundada por Mar Moussa Salama, é parte integrante da Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia como Missão para os brasileiros e, por isso, não constitui uma Igreja autônoma. Conforme Bula Patriarcal n. 300/24-05-2009, essa Missão deixa de ter nome próprio e passa a se chamada de Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia - Missionária do Brasil. Segundo o documento católico “Diretório para a Aplicação dos Princípios e Normas sobre o Ecumenismo”:

(...) a Igreja Católica Romana, a Igreja Cristã Reformada do Brasil, a Igreja Episcopal Anglicana, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e a Igreja Metodista. Posteriormente, aderiram a Igreja Presbiteriana Unida e a Igreja Católica Ortodoxa Siriana (grifos meus, DAPNE, 2000, p. 218). 

Em 15 de novembro de 2007, na declaração conjunta sobre o batismo entre as denominações, as Igrejas Católica, Episcopal Anglicana do Brasil, Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Presbiteriana Unida do Brasil e Sirian Ortodoxa de Antioquia, reconhecem, em comum acordo, que o 

(...) batismo é conseqüência do nosso seguimento de Cristo. Comprometemo-nos a trabalhar para que as implicações do reconhecimento mútuo do Batismo, acima definidas, concretizem e atualizem as formas do nosso seguimento de Cristo (ATO DO RECONHECIMENTO, 2007, p. 4). 

Em síntese, a Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia – Missionária do Brasil (caracterizada pelo uso exclusivo do Credo Niceno, em sua forma original e administrada pelo Colégio Episcopal – órgão executivo da Conferência Ortodoxa Nacional - CON) é uma unidade eclesial de forma patriarcal e sistema episcopal em submissão e comunhão ao Patriarca Sírio-Ortodoxo Sua Santidade Ignátius Zakka I, Iwas. A Igreja Sirian Ortodoxa no Brasil é representada, conforme Bula Patriarcal n. 300/2009, pelos respectivos bispos: Dom Leolino Gomes Neto e Dom José Faustino Filho: 

Declaramos pela nossa autoridade Apostólica, na qualidade de Patriarca de Antioquia, todo Oriente, supremo chefe da Igreja Sirian Ortodoxa e Pai de todos os siríacos Ortodoxos no mundo, a legitimidade da nossa Igreja Missionária no Brasil, aprovamos a sua caminhada de fé, e nomeamos os nossos bispos Dom Leolino Gomes Neto e Dom José Faustino Filho para pastorear, e administrar a nossa Igreja Missionária Sirian Ortodoxa no Brasil, com o apoio e ajuda do nosso Legado Apostólico o Mons. Antônio Nakkoud (BULA PATRIARCAL n. 300, 2009). 

Mais recentemente, na Bula Patriarcal n. EE 430/2010, dirigida a toda clero brasileiro e, na Bula Patriarcal n. EE 428/2010, dirigida ao CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs), Sua Santidade Ignátius Zakka I, informa a retirada do termo “Missionária” da Igreja no Brasil. Assim se expressa Sua Santidade, o patriarca Ignátius Zakka I, na seguinte Bula: 

Amados filhos espirituais: bispos, sacerdotes e membros da nossa Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia no Brasil [...] Apraz-me informá-los que retiramos o título “Missionária” da nossa Igreja no Brasil, cujo novo nome será o mesmo adotado por nós, ou melhor, “Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia”. Esta nossa Igreja no Brasil está ligada à autoridade da nossa Sé Apostólica e ao nosso Patriarcado Sírio-Ortodoxo de Antioquia, com sede em Damasco – Síria (BULA PATRIARCAL n. EE 430/2010). 

Autor: Padre Celso Kallarrari
Doutorando em Ciências da Religião pela PUC-Goiás.

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